quinta-feira, 15 de abril de 2010

Do engenho e da arte

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Uma máquina de voar. Até ao século XX, nada mais que uma utopia.  Era coisa de ave, isso de planar no céu azul e esvoaçar entre rochedos escarpados no topo das montanhas. Um sonho, nada mais.

Alguns, temerários, quiseram desafiar a física e, não era pouca gente a dizê-lo, o próprio Deus. Os destemidos mergulhavam no abismo, num voo certo e fatídico, diante de multidões ávidas, como o alfaiate que, lançando-se da Torre Eiffel, acreditava nas asas de pano que vestira. Ao menos, a Passarola de Gusmão ou o balão dos Montgolfier haviam tido melhor sorte.

Antes dele, um outro homem sonhara mais alto e construíra, no ar e no papel, castelos bem mais sólidos. Nascera em Vinci, a 15 de Abril do remoto ano de 1452 e fora baptizado com o nome de Leonardo. Quase sete décadas depois, quando a morte o levou, possuía um legado fascinante. Homem de mil ofícios, mente rara onde conviviam em perfeita harmonia as ciências, as artes e as letras, personificou como nenhum outro o ideal renascentista.

Os esboços das máquinas de voar, que hoje se dizem perfeitamente exequíveis, os estudos anatómicos, a Última Ceia, a enigmática senhora do sorriso, o Homem de Vitrúvio, os poemas, a escrita invertida, mil e uma coisas que, séculos volvidos, mantêm a mesma vitalidade e alimentam intermináveis polémicas. Discute-se-lhe a inteligência, os engenhos, a sexualidade, os significados ocultos de cada obra-prima, mas sem questionar nunca o valor inestimável do ser humano.

Louva-se-lhe a multiplicidade de interesses, a capacidade de alargar os horizontes a todo o conhecimento. Agora, prefere-se a especialização, estudada até ao mais ínfimo pormenor. Não teria Da Vinci uma visão mais acertada de, afinal, tudo o que nos rodeia? Não seria ele um homem bem mais completo e em larga comunhão com a natureza, alimentando-se do prazer e da estética que a arte e o saber lhe traziam?

Canta a Pedra Filosofal que o sonho comanda a vida e, escreve Pessoa, o homem sonha e a obra nasce. Leonardo não voou, mas sonhou. E deu o passo essencial para a criação. Mais do que a obra e o génio, admire-se o homem. O homem que, cinco séculos depois de ter finalmente alcançado os céus, continua a mostrar-se como um admirável exemplo. Nem que seja, já o dizia Gedeão, pelo sonho, essa constante da vida, tão concreta e definida como outra coisa qualquer.

1 comentário:

MC disse...

brutal Hugo! Adorei este post!!