quarta-feira, 31 de março de 2010

Beatles' hysteria

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terça-feira, 30 de março de 2010

Lisboa d'Eça

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...sobre o monte pelado, o castelo assentava, atarracado, ignobilmente sujo; e a linha muito quebrada de telhados, de esquinas de casas da Mouraria e da Alfama descia com ângulos bruscos até as duas pesadas torres da Sé, de um aspecto abacial e secular. Depois viam um pedaço do rio, batido da luz; duas velas brancas passavam devagar; e na outra banda, à base de uma colina baixa que o ar distante azulava, estendia-se a correnteza de casarias de uma povoaçãozinha de um branco de crê luzidio. Da cidade um rumor grosso e lento subia, onde se misturavam o rolar dos trens, o pesado rodar dos carros de bois, a vibração metálica das carretas que levam ferraria, e algum grito agudo de pregão.

Eça de Queirós, in O Primo Basílio.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Love the look

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domingo, 28 de março de 2010

Le Grand Tour

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sábado, 27 de março de 2010

Paris, je t'aime

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Paris. Palavra mágica que evoca doces recordações e memórias ou desperta devaneios românticos de viagem. Respira-se, sob um manto de nostalgia, aquele je ne sais quoi tão presente em cada pedra, em cada museu, em cada bouquiniste.

Mas Paris, mesmo que se diga cidade eterna, não nasceu simplesmente à beira do Sena, como os canaviais que crescem na margem dos riachos. Semearam-na os romanos num pedacinho de terra a meio do rio. Depois espraiou-se, ramificou-se em torno das estradas que convergiam na ilha. Todos os caminhos iam dar a la Cité.

A medievalidade quis espartilhá-la numa cinta de muralhas onde o Louvre era ainda uma fortaleza. As trevas iluminaram-se com o Rei-Sol que lhe deu novo fôlego, enlaçando-a com caminhos arborizados que substituíram os velhos bastiões. O nome, apesar da mudança, manteve-se. Boulevards. Iam ser os primeiros de muitos.

Outros séculos correram. As revoluções, da nação e da indústria, deixaram-lhe cicatrizes. Tornava-se suja, cinzenta, insalubre. Os regimes sucediam-se, sobrevoando-a sem poisar por muito tempo, os Bourbon restaurados, depois os Orléans burgueses, a república de presidência bonapartista. Enfim, Luis Napoleão e um novo Império, quando se queria paz e prosperidade. A cidade não lhe satisfazia os caprichos e as grandezas. Almejava-se para ela a imponência de uma nova Roma.

Um homem viu, antes de todos os outros, a cidade admirável que havia de se rasgar no casario dos tempos passados. Uma praça aqui, uma avenida ali, o desafogo das igrejas e dos monumentos históricos, as estações e a ópera. Uma cidade imperial, cintilante e fogosa como as festas das Tuileries. Com punho de ferro, manejando régua e esquadro, ia traçando no papel uma urbe nova que esmagava os becos tortuosos da cidade velha. Fachadas uniformes, regulares e alinhadas, fachadas hipócritas que escondiam saguões despidos, pátios nus e cujos andares iam perdendo, na subida apressada, os mármores, os estuques e os degraus atapetados.

É a cidade de hoje. A Paris que delicia, que se imita e se inveja, deve-se a ele. Não toda, mas quase. Dizia-se desse homem, como se dizia do imperador, que era ambicioso e autoritário. Talvez. Mas os visionários são sempre loucos e apenas o tempo lhes traz a razão. O tempo que levou o homem com a mesma facilidade com que lhe perpetuou o nome. Haussmann.

Agora é que são elas

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Marquise de Pompadour
François Boucher

sexta-feira, 26 de março de 2010

À beira-mar plantados

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quinta-feira, 25 de março de 2010

You may need it.

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quarta-feira, 24 de março de 2010

Le gentilhomme

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As mulheres disputavam-no. Os homens admiravam-no.

Às senhoras, cativava-as a firmeza dos traços, as proporções bem lançadas, o porte principesco. As palavras, mesmo que fossem poucas, eram sempre as exactas. Semeavam paixões, teciam elogios, mostravam simpatia. Viam na sua polidez toques de galanteria e, enlevadas, vingavam-se do jugo dos maridos decidindo onde serviria dele, emprestando-o entre si. Era presença em todos os bailes, nas soirées, nas garden-parties.

Os senhores seguiam-no discretamente, envergonhados com aquela avidez de lhe beber os gestos e as maneiras. Nunca um movimento em falso, um trejeito irreflectido.
Ele era de uma safra de homens do norte, onde se aliava a robustez saudável, a mesma das casas de granito em que nasciam, com a beleza e a suavidade dos socalcos dourados pelo sol descendo até ao rio.

Os dias eram longos. À noite, servido o café, subia até ao nicho que ocupava no sótão, debaixo da telha nua, e despindo as roupas que o espartilhavam dia fora, suspirava então. Longe dos olhares onde flutuava o desprezo e a curiosidade, não se sentia invejado. E enroscando-se no cobertor esfarelado, ao aninhar-se na enxerga de palha, perdia a postura recta que ostentava diante dos patrões.

Quando folgava, ia sem pressas a uma taberna imunda, depois da higiene com uma costureira muito decente, quase virginal. Lá, entre os copos que o vinho enrubescera e os risos sonoros dos bêbados, falava. Não maldizia os patrões, mas amaldiçoava-lhes a raça. E aspirava por um dia libertador, que derrubasse a ordem como um castelo de cartas. Clamava com furor, de punho cerrado. Queria a república.

Na manhã seguinte, erguia-se com a aurora e punha ainda mais esmero ao envergar a farda. Depois descia ao andar nobre, ao quarto de dormir onde a tinta de ouro realçava os relevos do estuque. Afastava as cortinas, ajoelhava junto do senhor e, ternamente, com uma meiguice paternal, murmurava-lhe os bons dias.

Oriente

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terça-feira, 23 de março de 2010

Altos e baixos

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A investigação é uma actividade absolutamente louvável. Surpreendentes são certos estudos de onde saem, após longos meses de pesquisas, admiráveis descobertas.

No ano passado, vai para uns mesitos, veio a lume um estudo norte-americano acerca dos benefícios da altura nos humanos. Como é que ninguém pensou nisto?!

Vamos aos factos. Conclui o estudo de inestimável valor, diga-se, que as pessoas mais altas têm uma melhor vida e são, por isso mesmo, mais felizes. De facto, tendem a encarar de forma mais positiva os acontecimentos e registam frequentemente sentimentos positivos, como a alegria e a satisfação. Mas, há sempre um reverso da medalha, e os senhores que não se limitam ao metro e meio têm alguma propensão para o stress e a raiva. Contraditório? Talvez.

A ideia geral da investigação, publicada na Economics and Human Biology, é a de que existe uma relação bastante positiva entre altura, educação e nível de vida dos indivíduos. As omissões são evidentes. Então e o resto da população? Os obesos atarracados, os que padecem de nanismo, os velhinhos marrecos e, claro, aquele vasto sector da população que tem de usar os bicos dos pés para chegar a um balcão ou pedir, no supermercado, ao senhor do lado que chegue àquela prateleira mesmo lá em cima. Serão menos felizes?

A experiência diz-me que a altura tem as suas desvantagens. «Eh, que alto que está para a idade» e «oh rapaz, como está crescido» são dois miminhos com que na adolescência somos brindados pela vizinha ou pelas amigas da avó. As portas do metro e os pés-direitos menos generosos podem também ser um problema.

Um conselho? Sejam felizes sem olhar para a fita métrica. Altos ou baixos, não duvido que o bem-estar esteja ao alcance de todos. Pelo menos devia. Ah, sim! Já agora, cuidado com o aparelho malvado onde nos enfiam para os novos documentos de identificação. A mim, já me roubou dois felizes centímetros. De resto, diz o bordão que os homens não se medem aos palmos. E a felicidade também não.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Spring

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domingo, 21 de março de 2010

Le Grand Tour

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sábado, 20 de março de 2010

Roi de Rome

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Foi em Paris. Dispararam-se cento e uma salvas de canhão. Era um rapaz.

Chamaram-lhe Napoléon François Joseph Charles Bonaparte e deram-lhe, num império que se queria vasto como o dos augustos Césares, o título de Rei de Roma.

Napoleão, pai, via com orgulho os seus domínios cuja extensão alcançava, por essa altura, o seu máximo esplendor. Desde Espanha às portas da Rússia, o general imperava, ali com o próprio punho, acolá com gente sua a quem distribuía os novos reinos que ia desenhando a seu gosto. Só o diabo dos portugueses lhe haviam escapado para os trópicos.

Não durou muito este triunfo. Contava o jovem príncipe imperial com três anos e já se via perdido, aos solavancos, entre um castelo e outro, depois dos fracassos nas terras frias. Se ao pai impuseram o exílio de Elba, à esposa e ao filho destinaram a Áustria, terra natal da imperatriz Maria Luísa.

As abdicações de Bonaparte a favor do jovem pouco lhe serviram. Napoleão II foi imperador de papel passado, mas nunca de facto. Ficou-se como Duque de Reichstadt.

Gozava, singela compensação, do afecto dos que lhe eram próximos. Para os outros, os poucos que ainda o recordavam, cativo em Viena, era uma espécie de mito, o que restara de um sombra que pairara por toda a Europa. Sobre ele, pairou o fantasma da tuberculose, que o levou consigo. Alguns, cépticos, falam em coisa pensada, desconfiam da astúcia de Metternich.

Victor Hugo dedicou-lhe um poema, avenidas levaram o seu nome, o primo tomou o título de Napoleão III em sua memória e Hitler devolveu os restos mortais à república francesa. Não foi o suficiente para o perpetuar.

Tinha apenas vinte anos. Duas escassas décadas de uma vida que se imaginara grandiosa mas que fora definhando num palácio ocre com janelas verdes. Uma vida breve, tão longa como o voo de uma águia.

Uns e outros

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A família do Visconde de Santarém
Domingos Sequeira

sexta-feira, 19 de março de 2010

Fairytale

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quinta-feira, 18 de março de 2010

A última Ceia

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Há jantares que não esquecemos. Porque a companhia foi memorável, porque revemos amigos de há longo tempo, porque o menu era um prazer para os sentidos, ou simplesmente porque o serviço foi tão mau que quase arruinava a noite.

Ora, a última Ceia parece reunir todos estes ingredientes. Já lá vão quase dois milénios e o mais impressionante de tudo, assim como que a provar a importância de uma simples refeição em toda a posteridade, é ver que continua na ordem do dia. Já se afastaram humoristas da ribalta, já se discutiu o sexo dos intervenientes nas pinturas do repasto, já se arruinaram jantares porque o número de convivas era o número proibido e, claro, já se decoraram milhares e milhares de salinhas de jantar com gravuras, relevos, estampas, óleos, tudo a retratar o jantar do Senhor.

De todas as representações deste episódio, umas das mais célebres é, sem dúvida, a da autoria de Da Vinci. Um cenóbio italiano, uma parede nua no refeitório, um artista famoso, e vai o Leonardo decorar o muro com um fresco de temática adequada. Como se a condição de obra de arte não lhe bastasse, tornaram-na num objecto místico. Ai, aquilo não é um apóstolo, é uma madalena arrependida. Oh, eles afastam as cabeças em triângulo e isso significa muito. Credo, que aquele gesto de cortar o pescoço é uma séria ameaça. E por aí fora.

Se isto já deu pano para mangas, imagine-se agora uma investigadora do Vaticano vir dizer que há mais segredinhos na pintura. Pois, foi exactamente o que aconteceu. A senhora diz que na janela central, onde apenas se avista uma paisagem de céu azul e colinas verdes, existe um enigma matemático. Ohh! E surpresa das surpresas, diz que o mundo acaba em 4006.

Alguém nos anda a enganar. Primeiro era em 2000, depois os Maias terminaram o calendário em 2012, agora vem o génio do Renascimento, ou alguém por ele, dizer que ainda temos mais dois milénios para continuar a fazer disparates por cá.

As datas não me preocupam. Prefiro, e recomendo o mesmo aos meus fidelíssimos leitores, que em vez de contar os dias que faltam para o fim, se aproveite cada um deles da melhor forma possível. Mesmo a sério. Como se fosse o último.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Do you miss the 80's?

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Fin-de-siècle

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Amava o campo como se amam os primos distantes. Revêem-se com gosto mas esquecem-se com facilidade.

A cidade merecia-lhe os arrebatamentos de uma paixão. Sentia na agitação dos boulevards, no reboliço dos mercados e na voracidade dos grands magasins, um prazer que se tornava quase carnal.

Nas manhãs soalheiras, que o bater dos cascos na calçada tornava ruidosas, saboreava, de chapéu alto e calça clara, o pregão dos ardinas, as silhuetas apresadas, os coupés mudos que rodavam furiosamente. A secura das avenidas, onde luziam montras que apregoavam um mundo e outro, quebrava-se aqui e ali pelas fontes e chafarizes, enfeitados com esculturas que atiravam jactos de água fresca, onde os jovens se entretinham em galanteios às raparigas.

Dos bancos e das administrações vinha o martelar do telégrafo e a estridência das campainhas eléctricas. Nas estações, catedrais onde os fortes arcobotantes góticos haviam dado lugar à transparência das naves de ferro e vidro, desfilavam passageiros blasfemando pelos atrasos.

Anoitecia. Os candeeiros vacilavam ante a baforada dos transeuntes que se acotovelavam, no roçagar dos linhos e das sedas. Os passeios enchiam-se, nas calçadas não paravam de trotar carruagens com gente festiva, embriagada, na promiscuidade das cantoras de cabarets e dos senhores da política. Ultimavam-se encontros nos restaurantes, à luz de uma vela gasta e dos papéis de paredes amarelecidos pelos charutos.

Passava, indiferente a tudo. Chapéu alto e calça clara. Uma banca de florista lembrava-lhe o campo, a frescura do orvalho, o cri-cri dos grilos. E a serenidade, a pureza que impregnava os prados e os riachos. Regressou a si, chamavam-no. Duas mulheres decotadas, lábios vermelhos, cabeleira exagerada, acenavam-lhe diante de um bordel. Continuou.

Em casa, na mansarda que abria para o boulevard, dormiu. Perdido e cansado. A cidade oprimia-o, sem lhe corresponder a paixão. Do campo, sempre pronto a recebê-lo, não tinha saudades. Restava-lhe a praia. Sonhou com a areia macia e a cadência esverdeada das ondas. Havia de ir a banhos, a Biarritz. Estava na moda.

terça-feira, 16 de março de 2010

Quem te viu...

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e quem te vê.

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segunda-feira, 15 de março de 2010

O príncipe

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Em batalha era por todos temido. O respeito que qualquer homem conquistou durante uma, duas, ou mais guerras, não se lhe podia comparar. Os seus soldados chamavam-lhe o príncipe, já no seio dos inimigos era conhecido como o guerreiro.

 Dizer que este príncipe era amado por toda a corte seria uma grosseira mentira. Não o era de facto. Possuía o seu rol de inimizades, maldizentes, e invejosos.
O próprio sultão, seu irmão, o invejava. O sentimento não era maldoso, pois nunca esquecera o grande amigo que nele encontrava, apenas natural vindo de um ser humano que encontra no seu próximo uma força e beleza mais implacáveis que as suas.

O príncipe era verdadeiramente elegante, o mais belo dos homens, como se proclama na cidade. Todas as mulheres lhe pertenciam e assim alimentava o seu maior vício. Tinha também a fidelidade de bons e sinceros homens, na luta e na mesa. E as crianças escutavam os seus sábios conselhos. Numa palavra se resume a vida deste homem, príncipe e guerreiro, amante e camarada: sucesso.

Que lhe faltava afinal, se tudo tinha? A certa altura ele próprio matutou demoradamente em torno desta mesma questão. O animal encerrado dentro de nós nunca se satisfaz, almeja sempre mais do que a verdadeira e simples felicidade, criando necessidades de coisas remotas, inalcançáveis.
Pois com tantas virtudes, também uma fraqueza lhe tocou. Ambicionou a imortalidade.

Decidiu visitar a velha maga que habitava as grutas do deserto, contando-lhe ansioso o seu desejo. Sorrindo a decrépita mulher olhou-o, profetizando, qual oráculo da verdade: Encontrarás a imortalidade, no dia em que morreres.
Ao chegar ao palácio, esgotado da viagem decidiu não esperar mais por esse dia, precipitando-se da varanda.

 O seu corpo foi enterrado num mausoléu erguido no local onde caíra. Cem dias de luto proclamados. As suas histórias de bravura e amor foram escritas e guardadas. Mas a sua imortalidade foi efémera.
Quando um incêndio lavrou no palácio, alimentando-se de todos os pergaminhos, e inimigos do império arrasaram e salgaram a cidade, do príncipe, apenas o cadáver restou.

Quantos príncipes terá a Humanidade esquecido? Quantos homens e mulheres terão sido cantados em poemas que arderam no tempo? Ironicamente, nem a História nos sabe dizer.

domingo, 14 de março de 2010

Le Grand Tour

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sábado, 13 de março de 2010

Legumes milagrosos

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Já aqui se mostraram algumas pérolas publicitárias das estações de metropolitano. Desta vez os legumes foram os felizes contemplados.

Que temos agora? Uma cadeia de lojas de produtos de beleza, cujo nome não publicito, embora seja visível no topo da foto, decidiu investir no poder dos vegetais. Diz que fazem maravilhas.

O grande derrotado desta campanha é o aloe vera. Sim, porque os produtos agora publicitados apostam na cenoura e no tomate. Batons, máscaras, hidratantes e protectores solares, todos produzidos à base de cenouras e do respectivo betacaroteno. Se resulta? Não faço ideia… Botânica nunca foi o meu forte. Mas não é só. Ao poder da cenoura aliou-se a magia do tomate. Pele mista? Cabelo oleoso? Se tem o azar de fazer destas figuras tristes na rua, o tormento (alheio) acabou. O tomate trata-lhe, literalmente, da saúde.

O caminho da felicidade passa, por isso, pela horta mais próxima de si. Ou, na falta dela, pela loja de cosméticos que estiver mais à mão. Yes to carrots! Fixe este nome, leitora cosmopolita e preocupada com estas coisas da aparência, e terá a chave para a beleza eterna. E para uma pele de pêssego, afirmam eles.

Não restam dúvidas. As cenouras e os tomates são indispensáveis para a beleza de uma mulher. Mas, e corrijam-me se estiver enganado, sempre ouvi dizer que o uso frequente desta combinação de ingredientes de salada rejuvenescia e contribuía para desvanecer uma ou outra rugazita. Coisas que se dizem. Saladas e brejeirices à parte, mesmo que o tomate seja um fruto, fica o conselho. Felicidade e boa-disposição, os legumes é que dão.

Uns e outros

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D. Manuel II 
Henrique Medina

sexta-feira, 12 de março de 2010

A força dos nomes

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Foi subindo devagar e parou no patamar, antes de pôr a chave à porta. Estava desolada.

Rompera com o rapaz da livraria. Pensara muito, não podia continuar assim. Ele, apaixonadamente bibliófilo, passava a mão na lombada de um livro mas nunca no rosto dela. E ela sempre leal, sempre fiel. Nunca uma traição, um engano, um pensamento mais obsceno diante de outro que não ele. Não poderia ter tomado outra decisão. Restara-lhe terminar.

Mónica, para isso a talhara o nome, ocupava, sozinha, um velho apartamento que nas horas vagas se entretinha a remodelar.

Estava ainda imóvel no patamar quando a porta em frente se abriu. Uma figura sorridente. Ar afável, olhos sinceros, uma elegância descontraída. Ela sorriu também, naquele sorriso vazio de quem inesperadamente se vê constrangido. Era o novo vizinho. Apresentou-se. Trocaram trivialidade e votos de boas-vindas. Quando finalmente entrou em casa, o ritmo cardíaco alterara-se.

Desde esse dia, não tinha olhos para mais nada. Seguia-lhe os movimentos do outro lado das paredes, vigiava-lhe as horas, enciumava-se com as visitas que ele recebia. Saía repentinamente de casa quando o sentia no patamar, só para o ver, para lhe acenar um cumprimento leve. Mantinha-se fiel como sempre. Não via mais ninguém, não pensava em mais ninguém. E sentia-se feliz por, esquecido o livreiro, ter tão depressa uma nova relação.

Um dia ousou mesmo convidá-lo para um chá lá em casa. Ele recusou amavelmente. Não podia, tinha trabalho urgente. Tiveram a primeira desavença. Ela zangou-se, discutiu, imaginando-o através das paredes que separavam as casas. Quando o encontrou no patamar, ao outro dia, não disse nada. Ele não compreendeu o comportamento da vizinha. Era, sem dúvida, uma mulher estranha.

Passaram meses. O vizinho partiu, para longe, sem regresso. Ela não sabia, e só quando avistou a mobília empilhada no patamar sentiu que estava tudo acabado. Era uma separação. Nem ousou despedir-se dele. Entregara-lhe a alma e aquela era a retribuição. Chorou, lamentando o fim abrupto de mais uma paixão.

Na semana seguinte chegou o novo inquilino. Muito alto, nórdico, de ar despreocupado. Viu-o pela janela e não teve dúvidas. Era o homem da sua vida. Nunca falaram sequer, porque ele raramente estava em casa. Mas manteve-se fiel ao seu amor, à sua paixão.

Ela não acreditava no poder dos nomes. Viveu intensamente dúzias de paixões que só ela conhecia, dezenas de relacionamentos que nunca existiram. Quando a morte chegou, encontrou-a só.

Love crazy girls

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Audrey Hepburn
Roman Holiday

quinta-feira, 11 de março de 2010

Au bois dormant

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O sótão

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Aquela porta na cozinha sempre teve uma espécie de aura. Algo de simultaneamente respeitável e misterioso.
Quando se abria para nós, mostrava uma pequena escadinha de madeira que imediatamente curvava, ocultando o seu destino. Nos primeiros degraus, como que a anunciar o que se seguiria já se amontoava alguma tralha. Por isso, com medo de tropeçar nas coisas que por lá se encontravam, subíamos a diminuta escadaria de olhar atento. Depois de uma dúzia de degraus rangentes, chegávamos.

Ali era o sítio. O lugar. Era como um baú gigante, onde, no êxtase da curiosidade vasculhávamos tudo, em busca de coisa nenhuma.

O sótão dos avós ocupava a mesma área do piso inferior. Tínhamos portanto um vasto espaço para esquadrinhar, espreitar e gavetas parar remexer.
Foi lá onde tive o meu primeiro contacto com herói gaulês, que me acompanha quase desde que me lembro. Era uma edição já velha do Astérix e Cleópatra, a capa estava descolada do livro e as páginas amareladas pelo tempo. Ainda assim soube bem ler, talvez até mais do que qualquer outro livro da colecção. Os poucos discos de vinil que orgulhosamente guardo também de lá foram resgatados, tal como uma máquina fotográfica, ainda do tempo do Presidente do Conselho, que tenho esperanças de arranjar.

Os tesourinhos não acabavam. Desde roupas do século passado, a fotografias de jovens em fatos polidos, onde é possível reconhecer o sorriso e olhar dos avós. Uma mesa ou duas, a cama de infância da minha mãe, entre outros tantos móveis e estantes, todas elas cheias de revistas antigas, alguns livros e o bric-à-brac que a avó dispensara.
Havia também as aranhas. Essas mantinham as raparigas afastadas dos cantos mais obscuros, evitando sempre as teias quando patrulhávamos o sótão. Se algum aracnídeo se atravessasse à sua frente gritavam amedrontadas por alguém que fizesse o trabalho sujo, como se a sua vida corresse perigo, serviço esse que eu orgulhosamente executava num ápice, demonstrando a minha bravura de criança temerária.

Nunca mais vi uma aranha naquele lugar, provavelmente emigraram, revoltadas com chacina.
É curioso pensar que todos temos um sótão, seja do tio, da avó ou simplesmente o da nossa imaginação. O meu, hoje em dia, parece-me mais pequeno, menos valioso e empolgante. Ainda assim tem sempre a sua graça revisita-lo, descobrir mais uma ou outra coisa que na altura não dei valor. Sentir o seu ar abafado e o cheiro característico da madeira envelhecida. Olhar em volta e aperceber-me que ali tudo está igual e só uma pequena coisa mudou. Eu.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Chez le tsar

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terça-feira, 9 de março de 2010

McCursos

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Os cursos superiores brotam nas universidades como os cogumelos num bosque. Muitos são iguais, mas mudam-lhes o nome para soar a novidade.

Após doze anos de escolaridade, os adolescentes vêem-se a braços com o dilema das suas vidas. «Ah, estou tão indeciso entre biologia e medicina…» ou então «ai, a escola é uma maçada, eu gosto é de alombar com caixotes mas quero ser licenciado!». Depois, em pleno verão, é vê-los a percorrer sites e guias repletos de códigos e numerus clausus.

A boa notícia é que esses dramas têm os dias contados. A licenciatura em Estudos Gerais é a solução. Isso mesmo. A Universidade de Lisboa criou um curso onde reuniu artes, ciências e humanidades, que funciona como uma espécie de fast-food. O estudante faz o pré-pagamento da propina, selecciona as unidades curriculares, que é como quem diz os ingredientes, e saboreia depois o prato durante três anos lectivos. Se a coisa correr bem, claro.

Quer isto dizer que os meninos podem agora atirar-se para a universidade sem saberem muito bem o que querem. Não faz mal. Vão escolhendo pelo caminho.

Se isto é bom ou mau? Não sei ao certo. Mas não será bastante redutor que cada indivíduo se dedique apenas a uma actividade? Na prática, aliás, isso nem sempre é deste modo. Por que não há-de uma costureira saber cozinhar, um executivo escrever poesia ou um futebolista falar bem português? Eu sei, esta última é mais difícil.

De resto, a formação diversificada está na moda e parece ter-se tornado uma mais-valia. «Hum, tem um currículo variado? Óptimo. Licenciou-se em economia, mestrou-se em jornalismo e doutorou-se em antropologia? Melhor ainda».

Et bien, resta-me solicitar, caros leitores, que caso conheçam algum sítio onde se façam mestrados por medida, me informem imediatamente. Iam resolver o dilema que me absorve nos últimos tempos. Queria muito encomendar um mestrado interessante. E diversificado. Assim com várias áreas de interesse. Com muitas no geral e nenhuma em particular.

segunda-feira, 8 de março de 2010

La Grande Dame

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Queen Victoria
Winterhalter

Português Suave

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Assunção e Caetano viviam ao Areeiro, numa casa que ainda cheirava a nova.

Tinham casado num Maio soalheiro, na Basílica da Estrela. Foi o primeiro passo numa vida que confundia tranquilidade e monotonia. Ele era director num ministério, ela zelava pelo aprumo doméstico.

De manhã, esmerava-se nos preparos das crianças para o colégio. Depois, gastava os dias a cirandar por mercados e boutiques, nas visitas à tia acamada e nas ordens à criada de fora. Ele, terminado o desjejum, sumia-se na aridez do Terreiro do Paço. Regressava sempre à mesma hora e os contratempos tornavam-no irascível. À noite, a leitura e a telefonia reuniam a família na sala de estar.

Nas tardes de sábado, ela punha uma jóia da mãe, esmerava-se na maquilhagem e peregrinava à Versailles ou à Confeitaria, onde as amigas a esperavam. Ele ia à noite ao Clube, gozando os charutos e o brandy. Às vezes, contrariando os hábitos, distraíam-se num cinema ou desciam a Avenida para se revistarem no Parque Mayer.

Mesmo quando o programa de fim-de-semana se alongava até horas mais tardias, era inevitável assistir ao serviço religioso de domingo. Ela punha um véu de renda preta, alisava a gravata do marido, apertava o colarinho do rapaz e compunha o vestido da pequena. Solenes, batendo os tacões, desciam até Londres, à praça, papagueando a missa em São João de Deus.

Nas férias e festas subiam até Ponte de Lima, a rever os primos e a repousar corpo e alma na beleza nostálgica do velho solar fidalgo. Para lá da fronteira, a Europa recompunha-se da guerra. Só conheciam Paris, Londres e Roma. O resto, dizia ele, não era do mundo civilizado. Ela sonhava com a doçura tropical do Brasil. Restou-lhe o pesadelo de nunca lá ter ido. Isso era sítio para emigrantes, sentenciava o marido.

Amavam-se. Mas um amor que não nascia daquele misto de paixão e de coisa que não se explica, e sim da tolerância, da complacência e do consolo de um ombro terno. Amavam os filhos. E imaginavam para eles, naquela ingenuidade dos afectos parentais, um futuro sereno, tão sereno como o presente que tinham. Os desenganos viriam depois. O futuro também.

Assunção e Caetano são dois nomes sem rosto, onde há-de caber a alma de muitos. A alma daqueles que agora, envelhecidos, passeiam devagar, de olhar perdido e indiferente. O presente é um tempo que conhecem mal. Mas testemunham, como mais ninguém, um passado que duas ou três décadas de vida não permitem imaginar. Um passado bem mais português do que suave, resumido negligentemente a meia dúzia de clichés e ideias feitas. Um passado que se dissolve lentamente com as memórias. Um passado a preto e branco.

domingo, 7 de março de 2010

Le Grand Tour

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sábado, 6 de março de 2010

Inverno em Lisboa

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Lisboa fez-se para o sol. Da mesma forma que os telhados vienenses ganham outro encanto sob a alvura da neve ou a silhueta das cúpulas bolbosas de Moscovo se torna mais definida pelo manto branco, Lisboa só se pode admirar plenamente quando uma claridade soalheira incide sobre ela.

São Pedro de Alcântara, o Castelo, a Graça e os outros miradouros, as pequenas praças, as esplanadas junto ao rio, a relva da Gulbenkian, os vasos floridos nas janelas de Alfama, são pequenas maravilhas que só é possível saborear debaixo de um céu azul e tépido.

O Inverno não é favorável à cidade. Com a chuva, a sua graça perde-se entre as gotas miudinhas, e a pressa em escapar das nuvens cinzentas não deixa tempo para admirar pequenos detalhes, nem aproveitar muitos momentos ao ar livre.

É certo que o sol espreita de quando em quando, mesmo nos meses mais frios. Ou espreitava. Nos idos de Outubro, clamava-se com estranheza pelo frio que não chegava. Os dias ainda longos, a brisa sufocante, o ar pesado que custava respirar. O tempo não tardou a vingar-se e trouxe, logo a seguir, um Inverno bem rigoroso que nos mantém numa vida artificial sob a atmosfera cinzenta. Há semanas que o sol não brilha.

E não há guarda-chuva ou aquecedor que me valham. Acordar com chuva lá fora desperta imediatamente o preguiçoso que há em mim. Ir para a rua? Escapar das poças para depois receber um banho de algum automobilista menos simpático? Não, não mesmo.

As esperanças de melhores dias deposito-as todas na Primavera que, creio, não há-de tardar. Até lá, fica o meu voto de protesto meteorológico. Ah! Mais uma coisinha. Se, volvido um ano, voltarmos a estas condições, corro para o Brasil e enfio-me numa cobertura, daquelas com 400 m2, cheia de luz e de frente para o mar. Depois é ver-me a passar seis mesinhos regalados na cidade maravilhosa. Regressar ao hemisfério norte só mesmo quando a nossa Lisboa estiver bem luminosa.

Fica o aviso. Tal é a vontade de chegar ao aeroporto e apanhar o primeiro voo da TAP para o Rio de Janeiro que deixo somente uma justificação, qual Alice Vieira, para a minha ausência sazonal. Se perguntarem por mim, digam que voei.

Uns e outros

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O Duque de Lafões
Gravura de Chevillet

sexta-feira, 5 de março de 2010

Off with her head!

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quinta-feira, 4 de março de 2010

A todo o vapor

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Quando era criança os comboios fascinavam-me. Nunca percebi porquê. Afinal, que têm eles de especial? Não mantêm toneladas a deslizar na água, , não rasgam os céus com leveza, nem orbitam em torno do planeta. Pelo contrário, limitam-se a rolar no percurso já definido pelos carris, sem esforços de maior.

A verdade é que os caminhos-de-ferro possuem a nostalgia de uma era que se esfumou. O Orient Express, as viagens elegantes, as paisagens, as cidades que subitamente se aproximavam, a descoberta de lugares até então nunca imaginados, tudo isso emana das locomotivas, mais do que a baforada das caldeiras. Naquele tempo, faziam-se estradas de ferro porque eram precisas. Agora, duvida-se da utilidade das auto-estradas de alcatrão.

Hoje, como apreciador de comboios que ainda sou, senti o coração apertado ao saber de uma exposição ferroviária que vai ter lugar em Utreque. Até aqui, nada de grave. O pior é que o Comboio Real português irá ser enviado aos Países Baixos para se exibir no evento. E é isto que me preocupa porque, como é sabido, da última vez que Portugal enviou coisas para a Holanda, não voltou a vê-las. Sim, umas jóias pertencentes à Coroa que foram descaradamente roubadas em Haia.

Parece-me muito bem que se exponham além fronteiras os tesouros portugueses que cá não se conseguem admirar. Pois, que enquanto no Brasil os bens imperiais se mostram em Petrópolis, as coroas britânicas cintilam na Torre de Londres e o pouco que restou dos tesouros franceses se alinha no Louvre, as nossas jóias da Coroa vivem tranquilamente algures numa casa-forte. E, azar dos azares, exactamente quando decidem dar um passeio e o ar da sua graça, pronto, lá se somem elas.

Ora, era isto mesmo que eu queria evitar com o antigo trem de Suas Majestades. Mesmo acreditando que os túneis não abundem na Holanda, receio que ele entre por um lado mas não saia do outro, assim à laia de comboio fantasma. Ou pior, que interceptem a composição e o maquinista seja vítima de trainjacking.

Por isso quero pedir, a todos os intervenientes neste delicado processo do envio de comboios para outros sítios, todo o cuidado possível para que as carruagens regressem sãs e salvas ao nosso cantinho ibérico.

Agora tenho de ir ali, a todo o vapor, comprar uma viagem para a Holanda. É que, e trata-se de um verdadeiro fenómeno, de todas as vezes que estive no Entrocamento para tentar apreciar os salões e a locomotiva in loco, encontrei o museu inexplicavelmente encerrado. Talvez em Utreque tenha mais sorte.

Woody and Diane

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quarta-feira, 3 de março de 2010

Amor à la carte

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Não era só porque chovia lá fora e um tremendo tédio se apoderara de si que lhe apetecia escrever. De resto, não era necessária motivação alguma para que uma folha de papel em branco e uma caneta despertassem nele uma vontade inadiável de escrever.

Um serão de domingo banal. O ritmo de uma véspera de segunda-feira, que o proletariado se acostumou a difamar com resignação. Procurou qualquer coisa que lhe servisse de argumento para meia dúzia de parágrafos. Mas só lhe chegavam os clichés, os transeuntes apressados na rua, os passeadores de cães, o trânsito tranquilo, enfim, todos aqueles ingredientes de uma história ela própria mais banal que o quotidiano de cada dia.

Depois o quê? Um amor platónico? Através da janela via, ao fundo, numa rua que se mostrava entre duas empenas de prédios mais elevados, uma janela misteriosa que aguçava a curiosidade. Quem lá poderia estar? Pareceu-lhe que descobrir o misterioso ocupante daquele espaço e apaixonar-se por ele soaria a coisa de novela, daquelas que vêm a correr, em grupos de três ou quatro, depois do noticiário da hora de jantar. Ah, e claro que para além disso, com esta coisa das tecnologias, bastaria certamente um mapa da cidade, uma foto de satélite e a lista telefónica para logo descobrir a personagem desconhecida da janela encantada.

Fraquejava-lhe a inspiração. Talvez fosse a fome… Pensava em jantar quando a ideia divina desceu sobre ele. Não, não se tratava de esmiuçar a Bíblia ou contradizer o Corão embora estivesse na moda fazê-lo e, diga-se, com uma certa graça e pertinência. Não. Trata-se apenas de um restaurante. Um jantar normal de família. Não… apimentemos a coisa e tornemo-lo num jantar entre duas pessoas que descobriram um no outro certas características que os atraíram mutuamente. Bom, sejamos realistas. Duas pessoas que se atraem fisicamente e que esperam, para manter um certo nível de decência, encontrar em si algo mais que dê consistência à coisa e sirva de desculpa para várias noites bem passadas.

Uma mulher. Um restaurante conhecido, gabado pela qualidade dos pratos, pelo ambiente simpático e pela elegância do espaço. Uma noite de Primavera que faz sentir lá fora a doçura do luar. Um empregado banal traz a lista, atreve-se a sugerir as entradas, serve as bebidas, o costumado ritual consuma-se. A conversa trivial para adiar o mote do jantar, o riso, a indiferença simulada, a música ambiente que convida à intimidade e à palavra pronunciada perto do rosto do outro. Mas, a pouco e pouco, o sabor dos pratos esbate a figura que tem diante de si. Já não o vê nem escuta. O aroma intenso, a estética do prato, as sensações indescritíveis que cada garfada lhe produz, fizeram-na esquecer tudo o resto e concentrar-se apenas numa ideia, numa satisfação de curiosidade, no desejo de uma pessoa. Quando a sobremesa se serviu, vinha acompanhada de uma paixão pelo chef.

terça-feira, 2 de março de 2010

The best servant

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George V
King of the United Kingdom and British dominions beyond the seas.

Samba de verão

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Pode cheirar a noiva

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A primavera está quase a chegar. Mas não vem sozinha. Com ela chega a ansiada época de acasalamento ou, para não ferir susceptibilidades humanas, do matrimónio. Sim, porque ao contrário das andorinhas, das cegonhas e outros bichos com ou sem bico, o ser humano sente frequentemente a necessidade de oficializar a sua relação.

Noiva que é noiva ambiciona o dia perfeito para o casamento. Nem demasiado frio, para poder usar aquele vestido decotado que viu na montra do pronto-a-vestir, nem demasiado calor, para que os folhos e as caudas não se transformem num forno. Claro que a chuva também se dispensa, que entrar a pingar na nave da igreja ou correr até ao carro sob um guarda-chuva não serão certamente momentos a recordar no álbum do enlace. Chuva, só mesmo de arroz, ou pétalas róseas para as mais exigentes.

Maio ou Junho são os meses ideais. Mas há sempre uma ou outra futura esposa menos sortuda que se vê obrigada a adiar a cerimónia até ao tórrido mês de Agosto, única altura em que o tio Tony, do Massachussets, vem visitar a família ou quando o primo Pierre José se escapa da banlieue de Paris para uma incursão à terrinha portuguesa.

A pressão é grande. Enviar convites, dispor os convivas na mesa com cuidado, não vá ficar a Adelaide ao lado da tia Genoveva que a detesta, escolher pratos, discutir preços, tudo isto provoca grande stress ao casal de pombinhos.

É aqui que a catalã Laura Morata entra. A estilista decidiu criar vestidos de noiva que libertam odores relaxantes como jasmim ou lavanda. Que ideia, não é? Receio pelo noivo que, ao aproximar-se da amada pode, inalando as fragrâncias, descontrair demasiado e esquecer-se de pronunciar o sim definitivo. Mas não é só. Se se tratar de uma mosquinha morta, daquelas que parecem ter sido arrastadas até ao altar, também se arranja um vestido com morango ou maçã verde. Diz que estimula.

A ideia pode até ser boa, mas duvido que resista ao copo-d’água. Não há perfume nem odor agradável que aguente os vapores do creme de camarão, dos malfadados bifinhos com champignons ou do bacalhau à qualquer coisa. A tranquilidade regressará apenas quando for servida a sobremesa. Só que, da bavaroise de morango, da mousse de chocolate ou da tarte de amêndoa, o docinho favorito dos noivos é mesmo a lua de mel.

Agora que sabem disto, se notarem um comportamento diferente na moçoila diante do altar, não estranhem. Uma fragrância pode fazer milagres. E um noivo também.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Noblesse oblige

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