quinta-feira, 4 de março de 2010

A todo o vapor

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Quando era criança os comboios fascinavam-me. Nunca percebi porquê. Afinal, que têm eles de especial? Não mantêm toneladas a deslizar na água, , não rasgam os céus com leveza, nem orbitam em torno do planeta. Pelo contrário, limitam-se a rolar no percurso já definido pelos carris, sem esforços de maior.

A verdade é que os caminhos-de-ferro possuem a nostalgia de uma era que se esfumou. O Orient Express, as viagens elegantes, as paisagens, as cidades que subitamente se aproximavam, a descoberta de lugares até então nunca imaginados, tudo isso emana das locomotivas, mais do que a baforada das caldeiras. Naquele tempo, faziam-se estradas de ferro porque eram precisas. Agora, duvida-se da utilidade das auto-estradas de alcatrão.

Hoje, como apreciador de comboios que ainda sou, senti o coração apertado ao saber de uma exposição ferroviária que vai ter lugar em Utreque. Até aqui, nada de grave. O pior é que o Comboio Real português irá ser enviado aos Países Baixos para se exibir no evento. E é isto que me preocupa porque, como é sabido, da última vez que Portugal enviou coisas para a Holanda, não voltou a vê-las. Sim, umas jóias pertencentes à Coroa que foram descaradamente roubadas em Haia.

Parece-me muito bem que se exponham além fronteiras os tesouros portugueses que cá não se conseguem admirar. Pois, que enquanto no Brasil os bens imperiais se mostram em Petrópolis, as coroas britânicas cintilam na Torre de Londres e o pouco que restou dos tesouros franceses se alinha no Louvre, as nossas jóias da Coroa vivem tranquilamente algures numa casa-forte. E, azar dos azares, exactamente quando decidem dar um passeio e o ar da sua graça, pronto, lá se somem elas.

Ora, era isto mesmo que eu queria evitar com o antigo trem de Suas Majestades. Mesmo acreditando que os túneis não abundem na Holanda, receio que ele entre por um lado mas não saia do outro, assim à laia de comboio fantasma. Ou pior, que interceptem a composição e o maquinista seja vítima de trainjacking.

Por isso quero pedir, a todos os intervenientes neste delicado processo do envio de comboios para outros sítios, todo o cuidado possível para que as carruagens regressem sãs e salvas ao nosso cantinho ibérico.

Agora tenho de ir ali, a todo o vapor, comprar uma viagem para a Holanda. É que, e trata-se de um verdadeiro fenómeno, de todas as vezes que estive no Entrocamento para tentar apreciar os salões e a locomotiva in loco, encontrei o museu inexplicavelmente encerrado. Talvez em Utreque tenha mais sorte.

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