quarta-feira, 17 de março de 2010

Fin-de-siècle

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Amava o campo como se amam os primos distantes. Revêem-se com gosto mas esquecem-se com facilidade.

A cidade merecia-lhe os arrebatamentos de uma paixão. Sentia na agitação dos boulevards, no reboliço dos mercados e na voracidade dos grands magasins, um prazer que se tornava quase carnal.

Nas manhãs soalheiras, que o bater dos cascos na calçada tornava ruidosas, saboreava, de chapéu alto e calça clara, o pregão dos ardinas, as silhuetas apresadas, os coupés mudos que rodavam furiosamente. A secura das avenidas, onde luziam montras que apregoavam um mundo e outro, quebrava-se aqui e ali pelas fontes e chafarizes, enfeitados com esculturas que atiravam jactos de água fresca, onde os jovens se entretinham em galanteios às raparigas.

Dos bancos e das administrações vinha o martelar do telégrafo e a estridência das campainhas eléctricas. Nas estações, catedrais onde os fortes arcobotantes góticos haviam dado lugar à transparência das naves de ferro e vidro, desfilavam passageiros blasfemando pelos atrasos.

Anoitecia. Os candeeiros vacilavam ante a baforada dos transeuntes que se acotovelavam, no roçagar dos linhos e das sedas. Os passeios enchiam-se, nas calçadas não paravam de trotar carruagens com gente festiva, embriagada, na promiscuidade das cantoras de cabarets e dos senhores da política. Ultimavam-se encontros nos restaurantes, à luz de uma vela gasta e dos papéis de paredes amarelecidos pelos charutos.

Passava, indiferente a tudo. Chapéu alto e calça clara. Uma banca de florista lembrava-lhe o campo, a frescura do orvalho, o cri-cri dos grilos. E a serenidade, a pureza que impregnava os prados e os riachos. Regressou a si, chamavam-no. Duas mulheres decotadas, lábios vermelhos, cabeleira exagerada, acenavam-lhe diante de um bordel. Continuou.

Em casa, na mansarda que abria para o boulevard, dormiu. Perdido e cansado. A cidade oprimia-o, sem lhe corresponder a paixão. Do campo, sempre pronto a recebê-lo, não tinha saudades. Restava-lhe a praia. Sonhou com a areia macia e a cadência esverdeada das ondas. Havia de ir a banhos, a Biarritz. Estava na moda.

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