quarta-feira, 24 de março de 2010

Le gentilhomme

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As mulheres disputavam-no. Os homens admiravam-no.

Às senhoras, cativava-as a firmeza dos traços, as proporções bem lançadas, o porte principesco. As palavras, mesmo que fossem poucas, eram sempre as exactas. Semeavam paixões, teciam elogios, mostravam simpatia. Viam na sua polidez toques de galanteria e, enlevadas, vingavam-se do jugo dos maridos decidindo onde serviria dele, emprestando-o entre si. Era presença em todos os bailes, nas soirées, nas garden-parties.

Os senhores seguiam-no discretamente, envergonhados com aquela avidez de lhe beber os gestos e as maneiras. Nunca um movimento em falso, um trejeito irreflectido.
Ele era de uma safra de homens do norte, onde se aliava a robustez saudável, a mesma das casas de granito em que nasciam, com a beleza e a suavidade dos socalcos dourados pelo sol descendo até ao rio.

Os dias eram longos. À noite, servido o café, subia até ao nicho que ocupava no sótão, debaixo da telha nua, e despindo as roupas que o espartilhavam dia fora, suspirava então. Longe dos olhares onde flutuava o desprezo e a curiosidade, não se sentia invejado. E enroscando-se no cobertor esfarelado, ao aninhar-se na enxerga de palha, perdia a postura recta que ostentava diante dos patrões.

Quando folgava, ia sem pressas a uma taberna imunda, depois da higiene com uma costureira muito decente, quase virginal. Lá, entre os copos que o vinho enrubescera e os risos sonoros dos bêbados, falava. Não maldizia os patrões, mas amaldiçoava-lhes a raça. E aspirava por um dia libertador, que derrubasse a ordem como um castelo de cartas. Clamava com furor, de punho cerrado. Queria a república.

Na manhã seguinte, erguia-se com a aurora e punha ainda mais esmero ao envergar a farda. Depois descia ao andar nobre, ao quarto de dormir onde a tinta de ouro realçava os relevos do estuque. Afastava as cortinas, ajoelhava junto do senhor e, ternamente, com uma meiguice paternal, murmurava-lhe os bons dias.

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