sábado, 27 de março de 2010

Paris, je t'aime

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Paris. Palavra mágica que evoca doces recordações e memórias ou desperta devaneios românticos de viagem. Respira-se, sob um manto de nostalgia, aquele je ne sais quoi tão presente em cada pedra, em cada museu, em cada bouquiniste.

Mas Paris, mesmo que se diga cidade eterna, não nasceu simplesmente à beira do Sena, como os canaviais que crescem na margem dos riachos. Semearam-na os romanos num pedacinho de terra a meio do rio. Depois espraiou-se, ramificou-se em torno das estradas que convergiam na ilha. Todos os caminhos iam dar a la Cité.

A medievalidade quis espartilhá-la numa cinta de muralhas onde o Louvre era ainda uma fortaleza. As trevas iluminaram-se com o Rei-Sol que lhe deu novo fôlego, enlaçando-a com caminhos arborizados que substituíram os velhos bastiões. O nome, apesar da mudança, manteve-se. Boulevards. Iam ser os primeiros de muitos.

Outros séculos correram. As revoluções, da nação e da indústria, deixaram-lhe cicatrizes. Tornava-se suja, cinzenta, insalubre. Os regimes sucediam-se, sobrevoando-a sem poisar por muito tempo, os Bourbon restaurados, depois os Orléans burgueses, a república de presidência bonapartista. Enfim, Luis Napoleão e um novo Império, quando se queria paz e prosperidade. A cidade não lhe satisfazia os caprichos e as grandezas. Almejava-se para ela a imponência de uma nova Roma.

Um homem viu, antes de todos os outros, a cidade admirável que havia de se rasgar no casario dos tempos passados. Uma praça aqui, uma avenida ali, o desafogo das igrejas e dos monumentos históricos, as estações e a ópera. Uma cidade imperial, cintilante e fogosa como as festas das Tuileries. Com punho de ferro, manejando régua e esquadro, ia traçando no papel uma urbe nova que esmagava os becos tortuosos da cidade velha. Fachadas uniformes, regulares e alinhadas, fachadas hipócritas que escondiam saguões despidos, pátios nus e cujos andares iam perdendo, na subida apressada, os mármores, os estuques e os degraus atapetados.

É a cidade de hoje. A Paris que delicia, que se imita e se inveja, deve-se a ele. Não toda, mas quase. Dizia-se desse homem, como se dizia do imperador, que era ambicioso e autoritário. Talvez. Mas os visionários são sempre loucos e apenas o tempo lhes traz a razão. O tempo que levou o homem com a mesma facilidade com que lhe perpetuou o nome. Haussmann.

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