sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Les Windsor

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Enquanto há vida

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Deitava-se na cama, como no vazio.

A madeira rangia numa cadência irregular com estalidos secos. Não havia noite nem dia, apenas um mundo difuso, lá fora, num espaço que já não lhe pertencia. As memórias amareleciam as paredes que pressentia no escuro, no quarto que vozes abafadas, nascidas do passado, preenchiam. Era outra vida.

Ah, as saudades. E a impotência de as reviver, de construir nelas um presente nostálgico em que renascesse a esperança. Em vez disso, deixava-se ficar à deriva, sem que as emoções lhe fizessem descer uma lágrima pelo rosto sem expressão, nem lhe apertassem a garganta num nó aflito e trémulo.

A vontade que ainda pairava esbarrava nas intransponíveis barreiras físicas, erguidas pelo conflito mudo no dia-a-dia. Se tudo fosse mais fácil. Ou diferente, apenas. Talvez não bastasse.

O quarto em silêncio, um silêncio que se perdia no redemoinhar das ideias. Depois vinham misturar-se-lhe partidas que lhe pregava o pensamento, saltitando em pedaços irónicos da mesquinhez quotidiano. A frase ouvida na rua, a publicidade sem sentido no metro. E depois as sombras que se confundiam com o sabor de um jantar há muito terminado, com o tilintar dos copos que não se haviam enchido de novo, com o murmurar das vozes e dos sorrisos que há muito não correspondia.

Pudesse ao menos fugir. Queria fugir dali, ou ao menos do dramatismo. Mas era a esperança que lhe fugia. Teimava em agarrá-la, lamentando que ela não lhe correspondesse. A esperança havia de ter os dias contados. Depois dela, que se seguiria?