sexta-feira, 12 de março de 2010

A força dos nomes

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Foi subindo devagar e parou no patamar, antes de pôr a chave à porta. Estava desolada.

Rompera com o rapaz da livraria. Pensara muito, não podia continuar assim. Ele, apaixonadamente bibliófilo, passava a mão na lombada de um livro mas nunca no rosto dela. E ela sempre leal, sempre fiel. Nunca uma traição, um engano, um pensamento mais obsceno diante de outro que não ele. Não poderia ter tomado outra decisão. Restara-lhe terminar.

Mónica, para isso a talhara o nome, ocupava, sozinha, um velho apartamento que nas horas vagas se entretinha a remodelar.

Estava ainda imóvel no patamar quando a porta em frente se abriu. Uma figura sorridente. Ar afável, olhos sinceros, uma elegância descontraída. Ela sorriu também, naquele sorriso vazio de quem inesperadamente se vê constrangido. Era o novo vizinho. Apresentou-se. Trocaram trivialidade e votos de boas-vindas. Quando finalmente entrou em casa, o ritmo cardíaco alterara-se.

Desde esse dia, não tinha olhos para mais nada. Seguia-lhe os movimentos do outro lado das paredes, vigiava-lhe as horas, enciumava-se com as visitas que ele recebia. Saía repentinamente de casa quando o sentia no patamar, só para o ver, para lhe acenar um cumprimento leve. Mantinha-se fiel como sempre. Não via mais ninguém, não pensava em mais ninguém. E sentia-se feliz por, esquecido o livreiro, ter tão depressa uma nova relação.

Um dia ousou mesmo convidá-lo para um chá lá em casa. Ele recusou amavelmente. Não podia, tinha trabalho urgente. Tiveram a primeira desavença. Ela zangou-se, discutiu, imaginando-o através das paredes que separavam as casas. Quando o encontrou no patamar, ao outro dia, não disse nada. Ele não compreendeu o comportamento da vizinha. Era, sem dúvida, uma mulher estranha.

Passaram meses. O vizinho partiu, para longe, sem regresso. Ela não sabia, e só quando avistou a mobília empilhada no patamar sentiu que estava tudo acabado. Era uma separação. Nem ousou despedir-se dele. Entregara-lhe a alma e aquela era a retribuição. Chorou, lamentando o fim abrupto de mais uma paixão.

Na semana seguinte chegou o novo inquilino. Muito alto, nórdico, de ar despreocupado. Viu-o pela janela e não teve dúvidas. Era o homem da sua vida. Nunca falaram sequer, porque ele raramente estava em casa. Mas manteve-se fiel ao seu amor, à sua paixão.

Ela não acreditava no poder dos nomes. Viveu intensamente dúzias de paixões que só ela conhecia, dezenas de relacionamentos que nunca existiram. Quando a morte chegou, encontrou-a só.

1 comentário:

continuando assim... disse...

convite para seguir a história de Alice, lá no

continuando assim...

mais logo outro capítulo

obrigada pela visita

bj
teresa