sábado, 26 de junho de 2010

Fim de tarde

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Era um dia como outro qualquer.

Era um dia como outro qualquer. O jardim vazio, por ser sábado, a roçar o entardecer. Nos bancos, as mesmas personagens. O bêbado desabrigado, a cigana sisuda a chinelar, a avó descuidada fumando tranquilamente um cigarro ao lado da neta ingénua e pálida. A um canto do arvoredo, o roçagar de vozes soalheiras na esplanada do quiosque. Uma mulher passeia o cão, despudorado, a alçar a pata sem hesitações.

Era um dia como outro qualquer. Das casas meio adormecidas, abrigadas do sol pelas janelas cerradas, esgueiravam-se farrapos de conversas, de zangas, de músicas sem gosto, de choros de crianças birrentas aborrecidas pela pasmaceira da tarde. Nos beirais, os pássaros chilreavam sem emoção, obrigados apenas a quebrar o silêncio monótono da tarde.

Era um dia como outro qualquer. Gente passeava, na tranquilidade de um dia que não foi de trabalho. E turistas, de roupas leves, linhos e alças, ar descontraído e ruborizado, naquele tom encarniçado de quem estranha o sol da praia lusitana. Apontam para os chafarizes e estátuas em que mais ninguém repara, por a gente que ali desfila diariamente se ter habituado a ver esses pedaços de pedra sem os olhar, no corrupio do quotidiano sem tempo.

Era um dia como outro qualquer. Das chaminés arrepicadas começava a desprender-se preguiçosamente o fumo dos primeiros jantares, cozinhados na impaciência de quem com eles perde tempo ou preparados na satisfação de haver comensais a quem servir o manjar saído da mão própria. Um cão latia, distante, guardado na algum quintal que os portões verde escuro ou os muros onde uma trepadeira se enrolava escondiam.

Era um dia como outro qualquer. O sol escorregava lentamente para as águas do Tejo, sereno, quebrado apenas pelo zumbir da ponte. O telhados fundiam as formas angulosas numa só mancha cinzenta, recortada contra o poente. Um silêncio, tão vago quanto misterioso, ocultando tantas vidas detrás das paredes coloridas, cobria a cidade, pousava suavemente em cada colina, em cada rua esquecida.

Era um dia como outro qualquer. Mas podia ter sido o último.

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