domingo, 11 de março de 2012

Soldadinhos de chumbo

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Naquele ano a primavera chegara mais cedo.

O jardim, protegido por um robusto muro conventual das ruas buliçosas, recebia desde o nascer do dia a aragem suave que vinha do rio. Por entre as copas e os buxos avistavam-se os telhados amontoados pela encosta do castelo, como numa medina islâmica.

Perto do fontanário, onde a melodia da água punha um toque de suavidade aos ruídos que trepavam pelo velho muro, dava-se a batalha. No saibro, o exército invasor marchava, amontoando-se diante do parapeito do tanque. Em cima, os sitiados tentavam proteger-se dos ataques desferidos por uma colher de pau, à laia de catapulta, que fora desviada da cozinha.

As crianças atarefavam-se em volta do cenário de guerra. Um dos rapazes, mais desenvolto, cuja agitação transpirava dos seus movimentos enérgicos e determinados, coordenava as manobras, dividia os soldados de madeira, impunham ao irmão a pátria dos batalhões. Empoleirados na balaustrada, os seixos, à laia de pequenos defensores, representavam os portugueses. E em baixo, rolando na poeira, marchavam os castelhanos invasores. O jovenzito mais pacífico, amedrontado, talvez iluminado pelo bom senso que o outro não tinha, preferia não rotular assim, no ímpeto do assédio, os corpos beligerantes.

Ao fundo, sob a arcada que fechava o pátio, uma anciã dormitava, naquele sono sobressaltado mas inevitável de avó que vigia as brincadeiras infantis. Pardais e rouxinóis, amolecidos pela tarde primaveril, cantavam tranquilamente empoleirados nos troncos, alheios à tragédia humana que se desenrolava em baixo. O cenário, com tiques de idílio, foi bruscamente interrompido pelos «viva Portugal» que ecoaram no jardim. Os pássaros voaram, assustados. E a velha sonolenta, despertando lentamente da sua vigília, estremeceu nas suas pálpebras semicerradas.

«Abaixo el-rei das Espanhas!»

Era uma guerra declarada à tranquilidade do dia. Francisco, embrenhado no cerco ao castelo, nada ouvia já, perdido na imaginação que o fazia desviar-se das pisadas fortes dos cavalos e dos golpes de espadas dos donzéis. O mais pequeno, encolhido sob aquele grito de guerra, tremia muito, sem fugir, de olhos esbugalhados pela audácia do mano.

O vulto negro, depois de um ronco sonoro, ergueu-se na cadeira. Que era aquilo? Não lhe respondiam. Tornou a perguntar, mas no campo de batalha nada se escutava. E foram só os seus passos, arrastados sob o peso das décadas que, não sendo muitas eram longas, a conseguir despertar o soldadinho irreverente.

«Que é lá isso, menino? El-rei de Castela é el-rei nosso senhor! Ora, pode lá ouvir-se semelhante insulto? Hem? Vai ao pai, que lhe diga das boas.»

E foi. D. Manuel, para quem a bravura dos antepassados havia conseguido, mesmo que ele mal tivesse pegado numa espada, o título de conde de Vila Bela, travava dia após dia uma pesada batalha contra as sonolências que o invadiam no gabinete quando, depois do almoço farto e bem regado, assentava praça na cadeira de oficial régio. Foram dar com ele a meio da luta. O cotovelo escorregava-lhe pelo braço do assento e o bigodinho, impecavelmente composto, esvoaçava a cada suspiro.

Quando a velha ama contou ao seu senhor o que acontecera no pátio, uma sombra densa passou-lhe pelo rosto. Ali estava um filho seu, um esboço de homem apenas naqueles tenros anos. Mas despontava nele a força ingénua da juventude, a sinceridade que os passar dos anos obrigava a mascarar.


Não o castigou. Ensaiou somente uma breve pregação acerca do respeito que era devido ao rei, fosse ele quem fosse. E, quando ambos o deixaram novamente no silêncio fresco da biblioteca, ficou entregue ao orgulho secreto de ver que as gerações vindouras da família prometiam sobrepor a convicção dos ideais à cobardia vergada das conveniências.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Recantos Lisboetas

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segunda-feira, 23 de maio de 2011

Não escute nem olhe

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Sentar-se ao volante e ir estrada fora enquanto se lê um romance, se come um gelado ou se observa tranquilamente a paisagem deve ser um cenário possível em menos tempo do que se possa supor.

As senhoras que, monocordicamente, vão indicando (qual anjo com pretensões de guia turístico) a direcção a seguir e a próxima viragem à direita não são já novidade e terão, sem dúvida, dado uma preciosa ajuda aos condutores que não querem perder tempo a desdobrar mapas e a seguir ondulantes linhas verdes ou vermelhas, duplas ou tracejadas que serpenteiam pelas enormes folhas dobradas em mil partes.

Também os sensores (que apitam de modo incansável e não menos paciente) salvaram muitos daqueles azelhas que só percebem ter abalroado o carro da frente quando já lhe destruíram o pára-choques traseiro, perderam os faróis e riscaram metade da pintura.

O surpreendente agora, embora a inovação se encaixe na mesma linha das anteriores, é o novo automóvel que reconhece antecipadamente os sinais de trânsito que sorrateiramente surgem diante dos olhos do condutor. Ou, pelo menos, deveriam surgir, já que agora qualquer boa alma com um volante nas mãos pode ralhar com as crianças irrequietas no assento de trás, fazer uma chamada à esposa com a habitual justificação do atraso para jantar ou ter uma violenta discussão com o condutor do carro ao lado (que desde o cruzamento anterior gesticula animadamente com o dedo médio através do retrovisor) sem ter de se preocupar com os avisos que lhe vão saindo ao caminho.

Afinal, quão inteligentes e autónomos se tornarão os carros do futuro? Dispensarão um condutor, accionados apenas por uma voz de comando como se de um taxista se tratasse? Iremos ver o Ambrósio do intemporal anúncio de bombons substituído por um leitor digital dos desejos da senhora de capeline amarela? Quem felicitará ela com o seu «bravo» se não existe ninguém a ocupar o assento dianteiro?

Tratar-se-ão estes auxiliares de uma ferramenta mais que assegure a segurança de condutores e passageiros ou, ao contrário, contribuiem para que cada vez mais o homem se demita do uso das suas próprias capacidades? Claro que as falhas são inevitáveis, mas até onde irá a aparente relação entre o desenvolvimento tecnológico nascido da mente humana e a consequente (e paradoxal) substituição da sua acção pela intervenção de dispositivos artificiais?

Veremos. Até lá, no ensejo de uma resposta satisfatória, aguardo que a cadeira onde me sento me leve à cozinha onde o fogão, seguindo o menu que ele próprio escolheu, confecciona preciosos jantares, com todo o amor e carinho que as suas quatro bocas lhe permitem.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Praça das Flores & (boa) Cia.

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quarta-feira, 11 de maio de 2011

Entregues aos bichos

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Se bem que o assunto já fosse sendo comentando aqui e ali, as saborosas notícias de um auxílio externo à falida Lusitânia puseram-no ainda mais na ordem do dia. As incontáveis freguesias (que é como quem diz para cima de quatro mil) às quais normalmente o freguês nem se lembra que pertence, devem passar entretanto por uma merecida reorganização.

Mas desengane-se quem julga que as juntas de freguesia estão agonizantes e inactivas. A provar o contrário, uma delas (que prefiro manter no anonimato, mais pelo medo de represálias do que pelo sigilo da minha morada) publica um boletim quadrimestral com suculentas notícias (seguindo a linha de adjectivação com que iniciei o texto) relativas ao pedacinho de cidade sob a sua jurisdição.

Numa espécie de governo totalitário, a senhora presidente (ou presidenta, se a Dilma fosse portuguesa) detém um admirável rol de pelouros, alguns redundantes, entre os quais se contam a «Saúde», «Habitação e Urbanismo», «Mobilidade» e (era aqui que eu queria chegar) o dos «Canídeos e Gatídeos».

Ora, ignorando até o curioso termo gatídeo aplicado às bolas de pêlo e bigodes que circulam em quatro patas, não deixa de ser relevante a atenção dada a estas duas espécies em particular. Certo é que, recebendo os sem-abrigo humanos uma reconfortante refeição e um cobertor de gente a quem o infortúnio do próximo ainda causa alguma inquietação interior, o mesmo não se passará com todos os gatos e cães que espalham despreocupadamente as suas pulguinhas negras, alegres e saltitantes, em delicado contraste com a alvura da calçada à portuguesa. Alguém vai, ao cair da noite, servir uma tigela de leite morno aos bichanos do quarteirão? Não. Alguém distribui pelos rafeiros da urbe um osso apetitoso ou uma latinha de «Pedigree»? Pois, também não. Encerrados em asilos municipais, os bichos lá ficam à espera de dias mais livres e risonhos.

O que propunha então, à chefe do executivo (freguesídeo?) era que se alargasse o campo de acção ao flagelo de qualquer cidade tradicional europeia. Pombos, pombos e mais pombos. Esses sim, verdadeiros ratos com asas, seriam dignos de uma «solução final». O difícil está em convencer os reformados que do pão da véspera se podem fazer torradas e alertá-los para os resultados obtidos quando se colocam grãos de milho num tacho. Macias e suaves, doces ou salgadas, as pipocas não constituem certamente ameaça aos implantes e placas tão troisième âge.

Fica, ao menos, o consolo de saber que as crianças não poupam a classe pombídea às massivas fugas-relâmpago nos parques e jardins, e que cada vez mais edifícios adoptam a colocação de uns ferrinhos, pouco estéticos mas muito eficazes, que impedem a permanência desses seres nas varandas, beirais e cantarias.

O mal dos pombos, bem vistas as coisas, é semelhante ao dos chapéus. Há muitos. E pior do que isso, são todos palermas.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Vintage Versace

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terça-feira, 29 de março de 2011

Entre marido e mulher

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Ai, as saudades que eu tinha de um estudo daqueles mesmo interessante cujas conclusões são já conhecidas de toda a gente. Excepto dos próprios investigadores, claro está.

Vamos por partes. Desta vez, a descoberta bombástica vem da Universidade de Turim que conclui, pasme-se, que a traição pode provocar problemas de saúde. Quem diria.

O estudo dos piemonteses afirma que os homens que traem (esses malvados sem coração) são mais propensos a ter enxaquecas e até a sofrer aneurismas. Pois, na minha terra chama-se remorso. Por outro lado, é irónico que, sendo neste caso as senhoras a andarem de testa enfeitada, sejam eles a ter de suportar as dores na cabeça.

As facadas na relação provocam igualmente danos na saúde da pessoa traída. Interessante, já que ninguém imagina que é normalmente essa pessoa quem mais sofre com estes episódios menos agradáveis. Diz quem sabe que as vítimas de infidelidade tendem a assumir comportamentos depressivos semelhantes aos habituais após um acidente de automóvel.

Além de incompreensível, a conclusão parece bastante óbvia. Em que estado ficará a pobre mulher que, sabendo das enormes puladelas de cerca do consorte, sai de casa desvairada, pega no carro e se despista na primeira curva apertada que lhe aparece no caminho? Aposto que vai ficar com sintomas de quem sofre acidentes de viação. E isto leva-nos à primeira conclusão, com um marido preocupado, cheio de culpa e de dores de cabeça.

E para não despontarem aqui e acolá acusações de machismo, lê-se ainda no mesmo estudo que um em cada quatro homens faz o que não deve e que um quinto das mulheres lhes segue o exemplo.

No fim de contas, Turim pode até ser uma cidade interessante. Já nos deu uma rainha, de seu nome Maria Pia, e hoje continua a encher-nos as estradas com Fiat. Mas estudos como este, definitivamente, não lhe acrescentam grande mérito.

sábado, 26 de março de 2011

Sede vacante

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sexta-feira, 25 de março de 2011

Disco riscado

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Trinta dias tem o mês,
Três oitavas o Natal,
Três ladrões tem este reino,
Rainha, Saldanha e Cabral.

Cancioneiro Popular

quinta-feira, 24 de março de 2011

Deitado na realidade

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sexta-feira, 18 de março de 2011

Das primaveras

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Ao cair das primeiras folhas amarelecidas, quando um véu cinzento ia esbatendo as memórias dos dias de calor e ócio, arregaçava as mangas e preparava-se alegremente para enfrentar o Inverno.

Quando a chuva lavava os sorrisos das faces e as cores alegres se ocultavam debaixo dos sobretudos negros e severos, tornava-se ainda mais jovial. Havia que enfrentar de peito cheio o frio e a chuva, enquanto durasse a espera por nova alegria estival.

Esse era, de resto, o mote que o fazia encarar com optimismo o inverno que se avizinhava, incansavelmente. Ano após ano. Era o consolo de saber que chegaria depois uma primavera, que as árvores voltariam a florir, que os campos espraiando-se a perder de vista haviam novamente de ficar cobertos pelos trevos e malmequeres que despontavam com as águas de Março.

Sim, era esse ciclo que lhe dava alento suficiente. A certeza de que as adversidades, inevitáveis como cada Inverno, acabariam esquecidas sob o Verão que traria a alvura do sol mesmo aos recantos em que uma sombra cinzenta teimara ainda em ficar.

Mas, se sorria nas quatro estações, não o fazia com a mesma leveza na vida. Nela não os ciclos não se repetiam incessantemente durante doze meses. Nela, eram necessários anos para que o sol voltasse a aquecer as vidraças onde deslizavam ainda gotículas de uma chuvada anterior. Nela, os verões podiam parecer intermináveis mas findar abruptamente, empurrados por uma tempestade súbita como nas terras tropicais.

Nela, enfim, vivia-se a incerteza do dia seguinte. Se as coisas se repetiriam  dia ou não, apenas o tempo guardava a resposta. E esse passava. Passava, certo de nunca voltar atrás e de se renovar num movimento perpétuo a que nenhum inverno haveria de pôr fim.

domingo, 13 de março de 2011

Les Bourbon

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quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Ano Novo

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Mudam-se os anos, esquecem-se as vontades.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Les Windsor

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Enquanto há vida

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Deitava-se na cama, como no vazio.

A madeira rangia numa cadência irregular com estalidos secos. Não havia noite nem dia, apenas um mundo difuso, lá fora, num espaço que já não lhe pertencia. As memórias amareleciam as paredes que pressentia no escuro, no quarto que vozes abafadas, nascidas do passado, preenchiam. Era outra vida.

Ah, as saudades. E a impotência de as reviver, de construir nelas um presente nostálgico em que renascesse a esperança. Em vez disso, deixava-se ficar à deriva, sem que as emoções lhe fizessem descer uma lágrima pelo rosto sem expressão, nem lhe apertassem a garganta num nó aflito e trémulo.

A vontade que ainda pairava esbarrava nas intransponíveis barreiras físicas, erguidas pelo conflito mudo no dia-a-dia. Se tudo fosse mais fácil. Ou diferente, apenas. Talvez não bastasse.

O quarto em silêncio, um silêncio que se perdia no redemoinhar das ideias. Depois vinham misturar-se-lhe partidas que lhe pregava o pensamento, saltitando em pedaços irónicos da mesquinhez quotidiano. A frase ouvida na rua, a publicidade sem sentido no metro. E depois as sombras que se confundiam com o sabor de um jantar há muito terminado, com o tilintar dos copos que não se haviam enchido de novo, com o murmurar das vozes e dos sorrisos que há muito não correspondia.

Pudesse ao menos fugir. Queria fugir dali, ou ao menos do dramatismo. Mas era a esperança que lhe fugia. Teimava em agarrá-la, lamentando que ela não lhe correspondesse. A esperança havia de ter os dias contados. Depois dela, que se seguiria?

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Encantos lisboetas

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quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Um homem de Vitrúvio

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Há pouco mais de cinco séculos nascia, em Pádua, um rapaz a quem deram o nome de Andrea. A condição singela da família dava-lhe apenas uma vida cuja dureza se assemelhava à da pedra que começou a talhar, ainda bem jovem, na oficina de um escultor da cidade.

Ao que parece, o mestre não seria dos melhores e Andrea parte para Vicenza. Pedra sobre pedra, alarga o seu mister à construção, orientado por um pedreiro e um escultor. Algum jeito havia para a coisa, ou não teria o Conde Trissino reparado no aprendiz, logo ele, uma das figuras de relevo da região, conhecido pelo gosto das artes e das letras.

Protegido pelo aristocrata, que lhe dera até novo nome, Palladio depressa mostra estar à altura da confiança depositada e revela grande talento nas coisas de cantaria e arquitectura. A primeira grande obra, uma villa para o filho de um grande proprietário de Vicenza, agradou. Desde então, inaugurou-se um fértil período de construções que rapidamente foram polvilhando a paisagem do Veneto, cujas as ideias Palladio bebia nos mestres da Antiguidade Clássica, de que Vitrúvio era um referência incontornável.

O arquitecto soube, contudo, acrescentar as suas próprias ideias, que foi conseguindo materializar à medida que o número de encomendas se alargava. A fusão dos saberes dos clássicos e das suas experiência construtivas, onde aplicava novas técnicas e proporções, resultou nos Quattro Libri dell'Architettura, tratado que lhe granjeou reconhecido mérito e acréscimo de fama. Até hoje.

Pelas suas dimensões e harmonia geométrica, a Villa Capri, ou la Rotonda, como passaram a chamar-lhe, tornou-se num ícone da obra de Palladio. Uma obra tão abundante quanto as sete décadas de vida do mestre lhe permitiam. Morreu numa casa simples, sem a imponência serena das residências que durante toda a vida havia projectado para os senhores da terra e que ainda se mantêm num tranquilo repouso por entre as verdejantes colinas do Veneto.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Rentrée

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Acabaram as férias do Belvedere.

Agora, se ainda restarem leitores, era simpático ver uns comentariozinhos aqui em baixo. Qualquer coisa do género «Boa! Mal posso esperar para voltar a ler os vossos disparates» ou «Ai, estava cheio de saudades de uma bela prosa».

Só para saber se ainda está por aí alguém...

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Sem título

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Depois de agradáveis e gentis, que agradeço à Maria, e outros que talvez o procurem ser, provenientes de figuras cujos costados fazem estremecer um qualquer membro do Terceiro Estado, entendi que devia esclarecer os leitores, ou o que deles resta, acerca de tão grande ausência de palavras.

Ora sucede que, por uma larga panóplia de vicissitudes, fugas ao quotidiano e decisões que comprometem o que ao futuro diz respeito, a imediata vítima destes sucessos e infortúnios foi o Belvedere.

Com a rentrée aproximando-se a passos largos, ditando os últimos dias ansiosos da silly season, a promessa que aqui deixo aos que permaneceram fidelíssimos, não digo leitores, mas antes expectantes espectadores, é a de trazer, juntamente com as primeiras folhas que na alvorada do Outono se desprendem das alturas de um plátano centenário, uma recuperado ritimo de escrita, mais regular, a este espaço e, quem sabe, com novo rosto e novo espírito.

Enfim, não é de mais deixar uma palavra aos que ainda se alcanduram no Belvedere, esperando para nele descortinar as ideias e os desacertos dos autores.

Até breve.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Le jardin

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Burocracias

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O mais natural depois de acabar uma licenciatura seria, depois de seis semestres de propinas, receber um papelinho a dizer que sim senhor, que resistindo a Bolonha havíamos vencido três anos não se sabe bem de quê. Era o mínimo.

Mas não. Para além da romaria aos serviços académicos, há que desembolsar cento e poucos euros (não é bonito andar assim a falar de dinheiro, mas que ele há coisas que irritam, há) para, note-se, mais de um mês depois se dignarem a imprimir um papelinho onde consta o nome, curso e notas e, suponho, um carimbo que autentique a coisa.

Que o mítico diploma, com direito a selo pendente e as inscrições em latim, seja demorado e bem pago ainda se compreende. Mas um papel, um simples papel com uma lista de classificações, ser quase uma espécie de convidado importante que se faz esperar, e não é pouco, é um simples abuso.

Será que o pessoal da secretaria que frequenta os cursos só para ascender na carreira e embolsar mais uns trocos ao fim do mês também anda assim tão desesperado por um certificado?

Quanto aos alunos a sério não tenho dúvidas. Os mestrados estão à porta e é preciso andar com isto para a frente. O pior é que se todos os documentos que hão-de ser necessários pela vida fora demorarem o mesmo tempo a ser emitidos, então o caminho vai ser bem demorado.

Love the look

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terça-feira, 29 de junho de 2010

Não é gago

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Afinal, la Rouchefoucauld estava certo.

Sunset

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Fôlego curto

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Nuestros hermanos venceram. Verdade difícil de ser aceite pelo orgulho lusitano, mergulhou o nosso pequeno rectângulo, entalado justamente no quadrado espanhol, num silêncio amargurado.

Para que conste, ter à minha frente num qualquer televisor, um jogo Portugal-Espanha no mundial sul-africano ou uma partida amigável de andebol no pavilhão desportivo das Pedrinhas de Baixo, surte exactamente o mesmo efeito. È um jogo, apenas um jogo. Ganhe-se e perde-se com a facilidade que a sorte e, claro está, as capacidades e o esforço permitem.

Portugal ficou-se pelo caminho. Pode até dizer-se que teve fôlego curto neste campeonato. O que, espero, tenha acontecido também com as vuvuzelas ou, na versão ignorância, vuzelas. Sopraram-nas com intensidade, mas por pouco tempo.

Resta esperar que a moda passe. E que daqui a dois ou a quatro anos, quando um novo evento futebolístico mergulhar os portugueses no maravilhoso mundo da inacção e das tolerências de ponto e horários de almoço prolongados, se lembrem de distribuir ao povoléu alguma coisa menos ruidosa.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Habitez-moi

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De luas

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Diz o povo, quando alguém parece ser inexplicavelmente inconstante, que é de luas.

Ora, há também quem diga que estes ditos populares algum fundamento hão-de ter. Eu começo a acreditar que sim. Agora que estamos em quarto minguante, tudo parece ter voltado à normalidade. Mas antes, com lua cheia, bem se passou um mau bocado.

É por isso que a expressão ser de luas vai deixando de me parecer tão popularucha e desadequada. Na semana do pleno arredondamento lunar o mundo, pelo menos o meu, esteve prestes a ruir. Os infortúnios, os desesperos, as frustrações e as ansiedades atingiram as dimensões de uma catástrofe sobre-humana. Paradoxalmente, nas noites mais iluminadas, nunca o cenário me pareceu tão escuro. Desalento é um adjectivo insuficiente para classificar certo estado de espírito.

Mas enfim, vai-se a ver e, agora que o disco lunar vai desaparecendo a cada dia, até ficar completamente oculto, as coisas retomam o caminho do costumado quotidiano. Relativizam-se os dramas, o que parecia irremediável deixa de o ser e o que julgámos impossível de acontecer passa-se ali, mesmo à nossa frente.

Que o satélite onde, dizem, até já chegou uma cadela russa, influência marés e mais qualquer coisa, isso é sabido. Mas ter o poder de, ou distorcer os factos ou, pelo menos, a forma de os encarar, é um nadinha mais duvidoso.

Bom, qualquer semelhança com um post pseudo-esotérico-astrológico é puro acaso. Só queria mesmo tentar perceber se a vida é de luas. Ou apenas serei eu?.

domingo, 27 de junho de 2010

Le Grand Tour

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sábado, 26 de junho de 2010

Fim de tarde

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Era um dia como outro qualquer.

Era um dia como outro qualquer. O jardim vazio, por ser sábado, a roçar o entardecer. Nos bancos, as mesmas personagens. O bêbado desabrigado, a cigana sisuda a chinelar, a avó descuidada fumando tranquilamente um cigarro ao lado da neta ingénua e pálida. A um canto do arvoredo, o roçagar de vozes soalheiras na esplanada do quiosque. Uma mulher passeia o cão, despudorado, a alçar a pata sem hesitações.

Era um dia como outro qualquer. Das casas meio adormecidas, abrigadas do sol pelas janelas cerradas, esgueiravam-se farrapos de conversas, de zangas, de músicas sem gosto, de choros de crianças birrentas aborrecidas pela pasmaceira da tarde. Nos beirais, os pássaros chilreavam sem emoção, obrigados apenas a quebrar o silêncio monótono da tarde.

Era um dia como outro qualquer. Gente passeava, na tranquilidade de um dia que não foi de trabalho. E turistas, de roupas leves, linhos e alças, ar descontraído e ruborizado, naquele tom encarniçado de quem estranha o sol da praia lusitana. Apontam para os chafarizes e estátuas em que mais ninguém repara, por a gente que ali desfila diariamente se ter habituado a ver esses pedaços de pedra sem os olhar, no corrupio do quotidiano sem tempo.

Era um dia como outro qualquer. Das chaminés arrepicadas começava a desprender-se preguiçosamente o fumo dos primeiros jantares, cozinhados na impaciência de quem com eles perde tempo ou preparados na satisfação de haver comensais a quem servir o manjar saído da mão própria. Um cão latia, distante, guardado na algum quintal que os portões verde escuro ou os muros onde uma trepadeira se enrolava escondiam.

Era um dia como outro qualquer. O sol escorregava lentamente para as águas do Tejo, sereno, quebrado apenas pelo zumbir da ponte. O telhados fundiam as formas angulosas numa só mancha cinzenta, recortada contra o poente. Um silêncio, tão vago quanto misterioso, ocultando tantas vidas detrás das paredes coloridas, cobria a cidade, pousava suavemente em cada colina, em cada rua esquecida.

Era um dia como outro qualquer. Mas podia ter sido o último.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Back to the 60's

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Quem fala assim

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On n'est jamais si heureux ni si malheureux qu'on s'imagine.

La Rouchefoucauld

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Na moda

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Chapéus, há muitos

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Terminou há poucos dias o desfile de excentricidade nas corridas de Ascot.

Nem de propósito, já que se fala em tradições, este ano os organizadores das célebres corridas, nas quais a Rainha faz questão de comparecer, viram-se obrigados a advertir alguns dos presentes sobre o trajar adequado a semelhante evento.

Ora, para quem não sabe ou, remota hipótese, ainda não esteve lá, o dress code passa por chapéu alto e casaca para os cavalheiros e vestido e chapéu, preferencialmente extravagante, para as senhoras. Como isto agora está, literalmente, tudo virado do avesso, alguns estouvados revolucionários optaram por indumentárias mais simples, desviando-se dos padrões tradicionais.

É que se um chapéu feito de lego pode fazer um vistaço em Ascot, o mesmo não se pode dizer de um senhor de cabeça descoberta ou de uma jovem de mini-saia. Portanto, como nas ilhas os britânicos não brincam em serviço, vai de pôr tudo na ordem. Corridas como manda a tradição, sim senhor, mas com traje a rigor. Chapéus irreverentes, muito bem, mas quaisquer outras inovações ficam à entrada do recinto.

Quanto tempo resistirá Ascot às pressões das tendências casuais não sabemos. Mas até lá, o melhor é escolher bem. Porque chapéus, há muitos.