sexta-feira, 18 de março de 2011

Das primaveras

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Ao cair das primeiras folhas amarelecidas, quando um véu cinzento ia esbatendo as memórias dos dias de calor e ócio, arregaçava as mangas e preparava-se alegremente para enfrentar o Inverno.

Quando a chuva lavava os sorrisos das faces e as cores alegres se ocultavam debaixo dos sobretudos negros e severos, tornava-se ainda mais jovial. Havia que enfrentar de peito cheio o frio e a chuva, enquanto durasse a espera por nova alegria estival.

Esse era, de resto, o mote que o fazia encarar com optimismo o inverno que se avizinhava, incansavelmente. Ano após ano. Era o consolo de saber que chegaria depois uma primavera, que as árvores voltariam a florir, que os campos espraiando-se a perder de vista haviam novamente de ficar cobertos pelos trevos e malmequeres que despontavam com as águas de Março.

Sim, era esse ciclo que lhe dava alento suficiente. A certeza de que as adversidades, inevitáveis como cada Inverno, acabariam esquecidas sob o Verão que traria a alvura do sol mesmo aos recantos em que uma sombra cinzenta teimara ainda em ficar.

Mas, se sorria nas quatro estações, não o fazia com a mesma leveza na vida. Nela não os ciclos não se repetiam incessantemente durante doze meses. Nela, eram necessários anos para que o sol voltasse a aquecer as vidraças onde deslizavam ainda gotículas de uma chuvada anterior. Nela, os verões podiam parecer intermináveis mas findar abruptamente, empurrados por uma tempestade súbita como nas terras tropicais.

Nela, enfim, vivia-se a incerteza do dia seguinte. Se as coisas se repetiriam  dia ou não, apenas o tempo guardava a resposta. E esse passava. Passava, certo de nunca voltar atrás e de se renovar num movimento perpétuo a que nenhum inverno haveria de pôr fim.

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