quarta-feira, 11 de maio de 2011

Entregues aos bichos

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Se bem que o assunto já fosse sendo comentando aqui e ali, as saborosas notícias de um auxílio externo à falida Lusitânia puseram-no ainda mais na ordem do dia. As incontáveis freguesias (que é como quem diz para cima de quatro mil) às quais normalmente o freguês nem se lembra que pertence, devem passar entretanto por uma merecida reorganização.

Mas desengane-se quem julga que as juntas de freguesia estão agonizantes e inactivas. A provar o contrário, uma delas (que prefiro manter no anonimato, mais pelo medo de represálias do que pelo sigilo da minha morada) publica um boletim quadrimestral com suculentas notícias (seguindo a linha de adjectivação com que iniciei o texto) relativas ao pedacinho de cidade sob a sua jurisdição.

Numa espécie de governo totalitário, a senhora presidente (ou presidenta, se a Dilma fosse portuguesa) detém um admirável rol de pelouros, alguns redundantes, entre os quais se contam a «Saúde», «Habitação e Urbanismo», «Mobilidade» e (era aqui que eu queria chegar) o dos «Canídeos e Gatídeos».

Ora, ignorando até o curioso termo gatídeo aplicado às bolas de pêlo e bigodes que circulam em quatro patas, não deixa de ser relevante a atenção dada a estas duas espécies em particular. Certo é que, recebendo os sem-abrigo humanos uma reconfortante refeição e um cobertor de gente a quem o infortúnio do próximo ainda causa alguma inquietação interior, o mesmo não se passará com todos os gatos e cães que espalham despreocupadamente as suas pulguinhas negras, alegres e saltitantes, em delicado contraste com a alvura da calçada à portuguesa. Alguém vai, ao cair da noite, servir uma tigela de leite morno aos bichanos do quarteirão? Não. Alguém distribui pelos rafeiros da urbe um osso apetitoso ou uma latinha de «Pedigree»? Pois, também não. Encerrados em asilos municipais, os bichos lá ficam à espera de dias mais livres e risonhos.

O que propunha então, à chefe do executivo (freguesídeo?) era que se alargasse o campo de acção ao flagelo de qualquer cidade tradicional europeia. Pombos, pombos e mais pombos. Esses sim, verdadeiros ratos com asas, seriam dignos de uma «solução final». O difícil está em convencer os reformados que do pão da véspera se podem fazer torradas e alertá-los para os resultados obtidos quando se colocam grãos de milho num tacho. Macias e suaves, doces ou salgadas, as pipocas não constituem certamente ameaça aos implantes e placas tão troisième âge.

Fica, ao menos, o consolo de saber que as crianças não poupam a classe pombídea às massivas fugas-relâmpago nos parques e jardins, e que cada vez mais edifícios adoptam a colocação de uns ferrinhos, pouco estéticos mas muito eficazes, que impedem a permanência desses seres nas varandas, beirais e cantarias.

O mal dos pombos, bem vistas as coisas, é semelhante ao dos chapéus. Há muitos. E pior do que isso, são todos palermas.

2 comentários:

MC disse...

FANTÁSTICO!!! Estás de volta aos teus tempos de glória!

Hugo Franco d'Araújo disse...

Ahah obrigado, querida! Beijinho