segunda-feira, 10 de maio de 2010

O Tibre e o Tejo

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Que anda tudo louco com isto do Papa, que se retoca o Terreiro do Paço ainda mal acabado, que se interditam ruas e avenidas, que se arranjou mais um pretexto para folgar do emprego, que se engalanam as varandas com estandartes alusivos à ocasião, nada disso é novidade.

Melhor ou pior, há que compreender o fervor efusivo da larga fatia de população que se afirma católica, mesmo que diga «sim, mas não praticante». Bom, ao menos que lhes fiquem os valores. Querem ver Sua Santidade, acenar-lhe com efusão, ou ao menos entrever os reflexos metálicos do papamóvel ou avistar, no cimo do seixo que lhe serve de palco, a mitra reluzente do Príncipe da Igreja. Vontades e desejos que, de resto, merecem respeito, e nada se aponta a que o Estado português receba com honras um Chefe de Estado estrangeiro.

A coisa tornou-se hoje mais interessante. Banho tomado, roupa vestida, e vá de saltar para a rua. A dois passos, logo ali na avenida, avista-se um autocarro engalanado com bandeirolas amarelas e brancas. Nada como ver de perto.

E eis que as viaturas, carregadinhas de povoléu logo pela manhã, coisa que as cabeças aglomeradas atrás dos vidros baços não faz duvidar, agitam alegremente bandeiras do Vaticano. Não é só. No visor, onde é conveniente que surja o destino e o número da carreira, lê-se que a Carris saúda o Sumo Pontífice. Informação de extrema relevância, até porque, estando o trânsito interrompido nas vias por onde Bento XVI há-de passar, dificilmente chegará ao seu conhecimento que a transportadora alfacinha tanto esmero põe nas saudações pontifícias.

E assim, logo pela manhã, a sacra azáfama arranca aos lábios um largo sorriso. Ali, em plena Avenida da República, rodeado de bandeirolas vaticanas, estandartes e polícia, julguei-me na Via della Conciliazione. E temi, alongando a vista até lá ao fundo, vislumbrar, onde outrora julgava o Atrium Saldanha, a cúpula monumental da Basílica de Pedro.

Mas não. Como sempre, a Lisboa costumada levanta-se em redor, muito ufana, engalanada com vaidade, esticando-se nos seus frágeis bicos dos pés, antes de recair na velha cantiga da molenguice quotidiana.

À falta de remédio para os crónicos males do povo, ao menos que se aproveite a efeméride.

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