Sentar-se ao volante e ir estrada fora enquanto se lê um romance, se come um gelado ou se observa tranquilamente a paisagem deve ser um cenário possível em menos tempo do que se possa supor.
Também os sensores (que apitam de modo incansável e não menos paciente) salvaram muitos daqueles azelhas que só percebem ter abalroado o carro da frente quando já lhe destruíram o pára-choques traseiro, perderam os faróis e riscaram metade da pintura.
O surpreendente agora, embora a inovação se encaixe na mesma linha das anteriores, é o novo automóvel que reconhece antecipadamente os sinais de trânsito que sorrateiramente surgem diante dos olhos do condutor. Ou, pelo menos, deveriam surgir, já que agora qualquer boa alma com um volante nas mãos pode ralhar com as crianças irrequietas no assento de trás, fazer uma chamada à esposa com a habitual justificação do atraso para jantar ou ter uma violenta discussão com o condutor do carro ao lado (que desde o cruzamento anterior gesticula animadamente com o dedo médio através do retrovisor) sem ter de se preocupar com os avisos que lhe vão saindo ao caminho.
Afinal, quão inteligentes e autónomos se tornarão os carros do futuro? Dispensarão um condutor, accionados apenas por uma voz de comando como se de um taxista se tratasse? Iremos ver o Ambrósio do intemporal anúncio de bombons substituído por um leitor digital dos desejos da senhora de capeline amarela? Quem felicitará ela com o seu «bravo» se não existe ninguém a ocupar o assento dianteiro?
Tratar-se-ão estes auxiliares de uma ferramenta mais que assegure a segurança de condutores e passageiros ou, ao contrário, contribuiem para que cada vez mais o homem se demita do uso das suas próprias capacidades? Claro que as falhas são inevitáveis, mas até onde irá a aparente relação entre o desenvolvimento tecnológico nascido da mente humana e a consequente (e paradoxal) substituição da sua acção pela intervenção de dispositivos artificiais?
Veremos. Até lá, no ensejo de uma resposta satisfatória, aguardo que a cadeira onde me sento me leve à cozinha onde o fogão, seguindo o menu que ele próprio escolheu, confecciona preciosos jantares, com todo o amor e carinho que as suas quatro bocas lhe permitem.